quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

ABC DOS NAMORADOS, DO AMOR, DO BEIJO, DA DANÇA




Este cordel de Rodolfo Coelho Cavalcante ganhou uma nova roupagem na reedição feita recentemente pela editora Luzeiro. Abaixo segue a apresentação:

Os ABCs sempre estiveram presentes por todo Nordeste e constituíam-se verdadeiras obras poéticas, recitadas em várias ocasiões, por aquelas pessoas de mentes prodigiosas, que conseguiam decorá-las e declamá-las nas “rodas de ouvintes”. Foram a diversão de várias gerações que não tiveram a oportunidade de conhecer o rádio e a televisão.
Ainda criança, em Banzaê – BA, no pequeno povoado chamado Salgado, lembro-me que os ABCs eram escritos a cada ano e sua leitura feita no Sábado de Aleluia, dia da malhação do Judas. O texto normalmente composto em sextilha, ia além das letras do alfabeto, visto que, a narrativa tratava-se do testamento que supostamente o Judas deixara, e agora, com a sua morte, a herança teria de ser repartida com os moradores daquele povoado. Cada estrofe falava de uma pessoa e nela deveria constar algo característico: um defeito, uma virtude ou até um segredo do herdeiro. Veja o exemplo abaixo:

Meu prezado amigo Aloncio,
Gosta de se diverti.
Deixo uma corda de náilon
Uma canga e um “canzi
Tocador de violão,
Cantador de batalhão
Namorador no Muriti.

A personagem retratada é bem caracterizada pelo poeta Pedro da Silva Macêdo, pois lhe deixa a corda de náilon e o canzil porque a “vítima” por assim dizer, possuía uma junta de boi e tanto a corda quanto o canzil são instrumentos essenciais em um carro de boi. O violão é devido ao herdeiro saber tocar; o cantador de batalhão referia-se as improvisações que Aloncio fazia nos batalhões e o namorador no Muriti, é porque estaria de caso com uma mulher nesse povoado. São “verdades” e coisas comuns da vida da pessoa que aparecem na composição literária.
No caso do ABC de Judas variava muito a quantidade de estrofes dependendo de quantos moradores seriam envolvidos naquela brincadeira. As vezes havia confusão por causa do abc, sobretudo se alguém estava encrencado com alguma pendenga e tinha medo de ser revelado no Testamento do Judas.
Rodolfo Coelho Cavalcante, nesta sua obra, cujo contrato de publicação foi assinado em 17 de julho de 1957 pela editora Prelúdio, antecessora da Luzeiro, colocou apenas as letras do alfabeto, apesar de tratar de quatro temas: ABC dos Namorados, do Amor, do Beijo e da Dança. O leitor compreenderá que, em alguns casos, o texto está preso as circunstâncias do seu tempo, por exemplo nas seguintes palavras: hontem, escrita com H; quilômetro grafada com K. Uma mudança poderia perder o sentido do que o poeta quis dizer, por esta razão recorremos à velha e famosa licença poética. O que também justifica a sua manutenção é que esta unidade de medida abrevia-se por km.
As palavras quando e cai, escritas com K, achamos por bem mantê-las, para não descontextualizá-las, todavia alguma outra palavra que não mude o estilo do autor e a compreensão do texto e do contexto, houve uma pequena adequação.
É bom que se diga que o poeta tinha plena consciência quando alterou a grafia de algumas palavras, para que os desavisados não continuem a pensar que sendo cordel, é feito assim mesmo, e não tem problema de ser errado. Os que picham os cordelistas de semi-analfabetos deveriam perceber com clareza, a evidência de que Rodolfo recorreu a “licença poética”.
Aqui uma sincera e fiel homenagem à memória deste homem que mais lutou em prol dessa arte.

A Rodolfo Coelho Cavalcante
Que escreveu o ABC dos Namorados,
Do Amor e do Beijo pra o amante,
O da Dança para os sapateados.
Obrigado querido menestrel,
Por ser líder do mais belo plantel,
Exigindo respeito pra o cordel,
Fará parte dos imortalizados.

Varneci Nascimento
São Paulo – Novembro de 2011


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